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:: Confesso que Vivi...


ZPX, corruptela de Zé Pedro dos Xutos, mantém-se um honorável punk de meia-idade. Depois de ter feito a viagem ao fim da noite, o mais célebre guitarrista português está a viver uma segunda vida casta, abstémia e política.

Conhecia-se a lendária faceta punk de Zé Pedro, herdeiro sentimental dos Clash e Sex Pistols. Um punk sensato, polido e erudito a quem Jorge Sampaio fez Comendador por méritos culturais. Desconhecia-se, talvez, o à-vontade de analista político.
Na hora de escrever, fica a ideia de termos aqui um Bono ou um Geldof em potência. És uma espécie de homem dos 70 ofícios. Músico, empresário, radialista…… DJ. Acho que está tudo em harmonia. Digamos que tenho feito tudo em função da música. A profissão fiscal e sentimental é músico. Neste caso, músico dos Xutos & Pontapés, o trabalho prioritário. O meu gosto pela música, pelas bandas, o andar atrás dos discos… deu-me uma formação para a minha carreira como músico.
Ainda foste jornalista.Antes de ser músico escrevi no Diário de Lisboa, no tempo do Sttau Monteiro e do Zé Cardoso Pires. Era um puto. Escrevia uns apontamentos sobre os meus discos preferidos num suplemento chamado A Mosca. Essa pesquisa serviu para criar um gosto.O punk e o rock foram acontecimentos revolucionários na tua vida?Foram. Aconteceu o clique em 1977, depois de ouvir o Never Mind The Bollocks, Here’s The Sex Pistols.
A tua biografia Não Sou o Único conta tudo ou há matérias sensíveis que ficaram de fora?Deve haver [risos]. Também faz bem as pessoas fantasiarem um bocadinho. Faz parte e da vida das estrelas do rock [risos]. Mas eu não interferi nada na escrita do livro.
A beleza maior é dizer a alguém que o meu coração lhe pertence e ouvir o mesmo de volta.”

Não sou o único Viveu várias vidas e sobreviveu para contar. Zé Pedro é hoje a imagem de um sedutor e de um homem em paz.
Creio que és o primeiro músico profissional da família?O meu pai tocava guitarra de Coimbra. Era um fadistão. Lembro-me que me passou uma guitarra para dedilhar as primeiras coisas, deu-me umas luzes de posições dos dedos e ficou-se por aí. Fui sempre um autodidacta. O sucesso cria habituação?Cria, claro. É sempre bom sermos reconhecidos pelo que fazemos. Acho que ninguém pode dizer o contrário, mesmo um tímido como eu. Achas que nasceste com a estrela na testa?Não me posso queixar de nada. Posso dizer que vivi o lema Sexo, Drogas e Rock’n’Roll e consegui estar vivo para contar.Estás a viver uma nova reencarnação, agora que não bebes, não fumas e que deixaste de ser um junkie devotado?É mesmo isso. E não lamento nada ter experimentado tudo o que havia disponível. Sinto-me bem agora, casto e abstémio, como me sentia quando passava dias sem ir à cama. Quando começaste na música e a “rockar” achaste que ias ter a esperança de vida de um nativo do Burkina Faso?
Nunca me preocupei se ia viver muito ou pouco. Queria era dizer “confesso que vivi” [como o Pablo Neruda]. E aos 50 anos, felizmente posso dizer isso com as letras todas. De que marca é o teu fígado novo? Não cheguei a comprar um [risos]. Este resistiu, apesar de muito requisitado. Esse ar de bom rapazinho contradiz a ideia de punk feroz que ainda há em ti? A ferocidade dos punks é um mito urbano [risos]. Nunca deixei de ser punk no sentido de encarar a vida, a música, seja lá no que estiver metido, como uma cena de intervenção. Não concebo a vida sem acção social, sem espírito de luta por melhores condições. Se calhar para muito boa gente o aspecto janado dos punks diz-lhes que são uma malta perigosa, que mata e esfola. O punk só quer que não o chateiem, que o deixem ser livre, sem deixar de ter um sentido de responsabilidade apurada.
O que é ser punk na meia-idade [Zé Pedro tem 50 anos]?É uma atitude. Na altura, anos 60 e 70 em Inglaterra, teve a importância que teve, motivada sobretudo por questões de inconformismo político. Foi uma coisa planeada pelo Malcolm McLaren na qual eu me revia – e num sentido ideológico e artístico continuo a rever-me. O movimento punk mudou o conceito de Arte a nível mundial. Entregou a Arte ao povo. Como é que um punk chega a Comendador?[risos] Isso foi um convite do então Presidente Sampaio que apareceu como reconhecimento de um trabalho quer dos Xutos quer de quem, como eu, tem feito tudo para engrandecer a música feita em Portugal. O Portugal contemporâneo é um filão para uma banda punk que procura a intervenção?
Há casos esporádicos que dariam letras e músicas interessantes. Cenas do futebol, da política e assim. Nós e os Da Weasel acho que temos feito esse trabalho. Mas não há uma indústria apostada em descobrir novos talentos. Abafa-se tudo o que seja irreverente. Enquanto figura pública tens responsabilidades éticas e políticas?Acho que sim. E antes disso, tenho-as como pessoa e cidadão. Não me sinto pressionado para as ter. É espontâneo.

A vida em livroEm 2007, Helena Reis, a irmã de Zé Pedro, escreveu o livro Não Sou o Único, um dos temas-bandeira dos Xutos & Pontapés. O livro começa na infância do músico, onde este mostra os seus dotes precoces de guitarrista. A escolha da música, porém, deve-se a uma viagem de inter-rail e a uma ida a um festival punk, em França. Estava-se no ano de 1977, um ano determinante para a música punk, com o lançamento de Never Mind The Bollocks, Here’s The Sex Pistols. Zé Pedro, então com 21 anos, garante que aquele festival e a passagem por Barcelona, onde viu Santana actuar, era o que gostava de fazer. “Era o meu sonho que se tornou realidade”, dirá durante a conversa com a Máxima.
Somos conservadores?Somos falsos progressistas. E temos uma atitude intrínseca que é a de fantasiar a nossa abertura de espírito quando no fundo somos adversos a mudanças. Adiamos as reformas de espírito e mentalidade, mostrando-nos mais “preocupados” com o terrorismo, a crise e a violência nas ruas cujos parâmetros nem estamos certos de conhecer. Achas que a tua geração falhou?
Falhou redondamente. A geração do 25 de Abril é tramada. Apanhámos a mudança e não mudámos nada, excepto as formas de consumismo. Depressa houve uma gula pelo poder, uma ânsia de protagonismo, uma atitude irresponsável de abandono das ex-colónias, uma incúria com o sentido colectivo que tanto prometia. Sentes-te uma pessoa influente?Não acho que tenha um estatuto especial que me dê uma autoridade moral superior à do cidadão comum. Tenho a minha quota-parte, como todos.Admiras músicos como o Bono que levam a sua voz para outras áreas de intervenção?
O Bono é incrível. Percebeu, de uma forma altruísta, que pode mexer com o Poder. Tiro-lhe o chapéu por fazer campanhas, pagas do seu bolso, como as que faz. Interessa-te esse poder de denúncia?
Não sou favorável a que as bandas usem essa função. O combate de rock faz sentido mas esgota-se nos palcos e nas palavras. Não são as bandas que alteram a ordem das coisas.Mulheres, música, poesia, punks… Há uma hierarquia?As mulheres sempre tiveram uma importância enorme na minha vida.
Tive uma ligação especial com a minha mãe, que morreu há uns anos, e as minhas cinco irmãs. Diria que todas as mulheres foram importantes no que fiz e no que faço. Não concebo a vida sem relacionamentos. Quando se está bem aqui, está-se bem em tudo. Não há uma hierarquia. Corre a fama que és um grande amante.
Ah!, é? Não sabia mas fico contente [risos].Achas que és um ídolo, uma espécie de Joe Strummer [vocalista e guitarrista dos Clash]?
Se tiver um comportamento honesto espero que se revejam em mim como eu me cheguei a rever em figuras como o Strummer. Que as minhas éticas, os meus símbolos, as minhas vivências, sejam inspiradores. Creio que com a idade e a experiência conquistei uma paz fundamental. Sendo um honorável punk de meia-idade, é nessa faixa etária que tens mais sucesso?
Todas as mulheres mexem comigo, são uma criação perfeita, mas nas relações só admito envolvimentos maiores se houver uma dádiva mútua. A beleza maior é dizer a alguém que o meu coração lhe pertence e ouvir o mesmo de volta.Já amaste realmente?Eu amo realmente. É o teu maior dom?É a maior dádiva, certamente.
Via Revista Máxima