lunedì

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Mas sob o peso dos narcisos floridos

Calou-se a terra,

E sob o peso dos frutos ressequidos

Do presente,

Calaram-se os meus sonhos perdidos.

Entre os canteiros cercados de buxo,

Enquanto subia e caía a água do repuxo,

Murmurei as palavras em que outrora

Para mim sempre existia

O gesto dum impulso.

Palavras que eu despi da sua literatura,

Para lhes dar a sua forma primitiva e pura,

De fórmulas de magia.

Docemente a sonhar entra a folhagem

A noite solitária e pura

Continuou distante e inatingível

Sem me deixar penetrar no seu segredo

E eu senti quebrar-se, cair desfeita,

A minha ânsia carregada de impossível,

Contra a sua harmonia perfeita.

Tomei nas minhas mãos a sombra escura

E embalei o silêncio nos meus ombros.

Tudo em minha volta estava vivo

Mas nada pôde acordar dos seus escombros

O meu grande êxtase perdido.

Só o vento passou e quente

E à sua volta todo o jardim cantou

E a água do tanque tremendo

Se maravilhou

Em círculos, longamente.

Sophia de Mello Breyner Andresen