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:: Na Ribalta...




Uma peça de teatro e um filme unem Nuno Lopes e Rita Loureiro. Conversa de uma tarde com dois talentos da nova geração de actores.Por Leonor Xavier

Ambos estão agora em palco na mesma peça Don Carlos, no Teatro da Cornucópia, e em cena no mesmo filme Goodnight Irene, outra pele não poderiam ter tanto quanto a de actores, nesta vida. Ela e ele têm uma alegria de certezas e de esperança que irradia e dói, quando pensamos no nosso país sombrio. Uma juventude em fase radiosa, que se lhes vê nos olhos e afirmam em riso, quando o assunto é a própria vida. Organizados, deixam-se falar um ao outro, sem arestas, atropelos ou interrupções por desrespeito.Rita Loureiro chegou um minuto antes de Nuno Lopes, vieram separados e falam complementares, a continuar--se no pensamento. Começamos pelos princípios e vocações, Rita começou por querer ser bailarina, fez ballet, depois do 12.º ano foi para o Conservatório, para ser actriz. O mais interessante dessa época? “Foi o grupo, Diogo Infante, Marcantonio Delcarlo, Carlos Pessoa, Miguel Seabra. Concretizámos coisas.” Diz nomes de actores e não de actrizes, justificando: “Até parece pretensiosismo, mas não é. Há muito poucas das que fizeram o curso comigo a trabalhar regularmente.” As figuras de referência:
“João Mota é um homem que nos desafia, um professor atento à personalidade, ao carácter e às manhas de cada um, e é muito paternal. Ele e a Glicínia Quartin, que tinha uma isenção admirável com os alunos. Devo à Glicínia o meu primeiro trabalho, nunca pensei que ela me indicas--se, era tão discreta. Foi com a Acarte, n’A Ilha do Oriente, do Mário Cláudio, com encenação do Filipe La Féria.”
A continuá-la, e depois de um segundo de pausa, Nuno diz: “Tenho 29 anos.
No início queria ser o Jacques Cousteau, fazer documentários de biologia marítima. Com 10, 11 anos, vi um programa de televisão sobre limpeza dos
esgotos do Tejo feito por biólogos, desisti, eu queria tubarões. Queria algo com criatividade, pintura, tocar em bandas como músico. Aos 14 anos fui a um sarau onde as meninas dançavam e os rapazes tocavam, e o António Feio apresentava alunos de teatro. Inscrevi-me nas aulas dele, foi fundamental para mim porque explorava a criatividade e dava liberdade aos alunos.” Bons alunos, a família aceitou-lhes a vocação. A mãe de Rita desejava-a advogada, mas compreendeu-a
e ajudou--a: “O pai disse uma coisa muito bonita segue o sonho, sê muito boa no que vais fazer, um artista não pode contentar-se com a mediocridade.”
Os pais de Nuno reagiram bem, “mas exigiram um curso primeiro”.
Aos 38 anos, para Rita o importante foi o Teatro da Cornucópia, já em 20
peças como actriz desde 1990. “Tenho tido uma regularidade de trabalho fundamental como formação, para conhecer-me como actriz.” Nuno tinha começado o Conservatório, quando Luis Miguel Cintra foi ver o trabalho dos alunos de João Mota: “Houve um lado técnico de corpo e voz no Conservatório, que aprendi melhor na Cornucópia.” Afectuosamente falam da Cornucópia,
Nuno gosta de Luis Miguel e de Cristina Reis “como família e como trabalho, fazem parte da minha formação”. Rita fala da cumplicidade, que decorre da exigência de parte a parte. Para melhor se dizerem, definem--se: “Eu e o Nuno somos actores muito físicos” – “Partimos pelo corpo” – “A energia tem de
fluir por todo o corpo” – “Eu quando começo a trabalhar vejo qual é a atitude física da minha personagem, como anda e se mexe, o resto vem depois.”

“A vida nesta profissão é feita em velocidade de cruzeiro. Só assim tenho a percepção de mim e da minha evolução.”

Têm tido experiências opostas, na arte e na vida. Nuno pensa que no teatro, o importante é a aprendizagem. A sua tem-se passado também lá fora, depois
do começo no Conservatório: “Tive professores privados em Nova Iorque,
Susan Batson e Robert Castle, porque queria aprofundar o cinema.
Fiz um Master Class na École des Maîtres com Rodrigo Garcia,
um argentino que faz um trabalho do género Pina Bausch, mais político e violento.” Rita teve uma outra história: “Eu viajei muito pouco, entrego-me
muito facilmente a paixões, apaixonei-me muito cedo por um actor,
saí de casa dos meus pais e fui viver com ele, vivi sete anos uma relação
intensa, fui ficando e perdendo a coragem de ir lá para fora estudar, tenho às vezes pena por não ter ido, mas vivi intensamente essa paixão. E outras que vieram a seguir. Comecei a viver a minha vida. Isso faz parte da minha
formação, tentei formar a minha pessoa, acreditar na actriz veio depois,
tenho uma filha de três anos, há uma série de âncoras aqui.” E os dois acham
que para actores e actrizes o teatro pode ser uma profissão como outra
qualquer, em que a família é preservada. Para Rita “não é preciso ser tão
radical, o que fazemos é para um público, tem uma certa projecção, o que eu mostro de mim é a actriz, a minha família e ligações, não”. Nuno fala de
actores que escolheram ficar numa Companhia, para ter uma vida estável. E confessa: “Eu gosto de instabilidade, de fazer teatro, televisão, novela no Brasil, cinema.”Rita não se interessa nem se move pela popularidade: “A vida nesta profissão é feita em velocidade de cruzeiro. Só assim tenho a percepção de
mim e da minha evolução. Não me atrai a opinião de certas pessoas.
Não tenho medo quando se acendem as luzes e começa o espectáculo, mas é quando acaba. Então o medo é enfrentar aqueles cinco que têm a opinião
que me interessa, isso é terrível. Não somos funk, o Nuno e eu temos uma
presença agradável no palco. Fico irritada quando vêm dizer:
‘Estavas tão linda.’
Claro que a Cristina Reis faz figurinos lindos! Ou então: ‘Como é que consegues decorar aquele texto todo?’, em vez de perceberem que criar uma inteligência
da personagem, viver um mundo, renovar todos os dias é o trabalho. Há dificuldade de comunicação, os portugueses foram muito castrados no
direito a emitir opiniões, a cultura é erudita, na Alemanha qualquer pessoa
vai ver uma peça e diz o que sente.”Nuno desenvolve a crítica: “É a ideia
de que sentimento é piroso, de que a emotividade é um sentimento menor,
um sentimento piegas, é uma estupidez. Surpreendeu-me muito,
nos Estados Unidos, a capacidade de se dizerem as coisas. Lá, em relação à religião, as pessoas são mais fervorosas, mais emotivas. Eu ia às missas no Harlem, apesar de não ser crente, porque eram um espectáculo emocional,
eram o monólogo de um actor. Aqui tudo é racional, fala-se pouco de amor ou sentimento, diz-se o que se pensa ou o que se acha do sentimento.
Na geração pós-25 de Abril é mais fácil um actor expor-se do que os que
têm 50-55 anos.”Assédio ou perseguição de gente apaixonada?
Rita já recebeu cartas amáveis de admiradores. Mas na maioria das vezes,
passa despercebida: “Quando faço televisão tenho uma imagem sofisticada,
na minha vida real sou diferente das personagens, eu nunca me maquilho
nem ando de saltos altos, tenho um lado urbano e simples, não sou empiriquitada. As pessoas vão lá pela voz grave.” Sobre a voz aguda da
maioria das actrizes arrisca uma hipótese: “Ser atribuída a fragilidade na personagem feminina pelo tom de voz. Como o meu não é agudo, não tem
essa fragilidade.” Nuno sofreu como sex-simbol no Brasil, cresceu e
aproveitou o aprendizado, enquanto fez a novela Esperança na TV Globo:
“Sou dos poucos portugueses que posso dizer que fui mesmo famoso.
Tive de andar sempre com seguranças fora do Rio de Janeiro.
Na Bahia, não podia sair do hotel por contrato, fui parar ao Hospital em São Paulo, depois de uma ‘presença’ num centro comercial, que era uma sessão
de autógrafos, foi a primeira e a última vez que fui. Gostei das cenas boas
que fiz na novela, profissionalmente foi bom ter conhecido grandes actores,
como o Gianechini ou a Maria Fernanda Câncio, que ficaram meus amigos.
Foi a primeira vez que fiz televisão sem ser comédia, só com uma câmara
como se fosse cinema. Conheci também o lado mau, a fama, a exposição, os paparazzi. Foi óptimo, porque percebi que faço esta profissão pelo prazer
de representar, não por procurar fama ou exposição. No fim, podia ter ficado mais três anos na Globo, queriam que assinasse contrato. Tinha 23 anos, de repente é-se endeusado, as pessoas olham-nos como a família real, o risco é acreditar nisso, porque é fácil.” Rita concorda e acrescenta: “O perigo nos Morangos é esse. Pegar em miúdos muito novos e tornarem-se deuses dos adolescentes. Miúdos que não percebem que aquilo não é tudo e ficam nesse endeusamento.”


Nuno Lopes e Rita Loureiro, dois jovens mas já muitoexperientes actores. Podemos vê-los na peçaDon Carlos no Teatro da Cornucópia e no filme
Goodnight Irene.

Falamos da peça Don Carlos, a confirmar que Luis Miguel Cintra toma os
grandes temas e ideias nos textos encenados, discretamente vai apontando
as grandes questões através do Teatro da Cornucópia. Nuno concorda:
“Ele tem a ideia do actor interveniente na vida política do país.
Nunca faz teatro de divertimento, mas teatro de consciência dos problemas.
” Rita explica: “Esta peça trata do confronto entre o poder e a humanidade,
da acção do poder sobre a sociedade e as pessoas. Filipe II tem um amigo
do filho D. Carlos, que é a personagem do Nuno, D. Rodrigo, que luta pela possibilidade de haver humanidade no exercício do poder contra as regras católicas de expansão territorial, que são desumanas. Prova-se que a
humanidade é impossível na corte de Filipe II de Espanha.” E Nuno continua:
“A peça trata da ideia de liberdade. A ideia é tão actual! Hoje, os políticos
mais humanos são mortos ou banidos. Dizer que o Dalai Lama incita à
violência é isso.”Para o fim deixamos o filme de Paolo Marino Blanco,
Goodnight Irene, em recente estreia. Rita conta a história: “Irene é uma
pintora que se esqueceu de pintar porque se dedicou à família e resolveu
fugir e mudar de vida para retomar a pintura. Encontra-se com um
homem que decide pintar, entra na vida dele, até que conhece o personagem
do Nuno e desaparece como apareceu, só deixa a memória.” E Nuno diz os caracteres: “No filme são dois homens solitários, um no fim da vida com
uma doença terminal, e o outro, o meu personagem, um jovem sem nenhuma relação com o mundo exterior, sem afectos. Ela é a primeira presença na vida deles. O filme é trágico, cómico e divertido, mostra que as pessoas não têm
noção de que precisam umas das outras.”Ambos foram escolhidos pelo
realizador do filme, que fez um casting intensivo para os seus protagonistas.
Nuno tem tido todos os seus papéis por casting, Rita desvenda a complexidade
do meio: “Quando aparecemos mais a fazer mais coisas, as pessoas
chamam-nos para outros trabalhos e mais aparecemos. Em Portugal os realizadores de cinema vão pouco ao teatro, os actores funcionam como
grupo, os próprios sistemas de produção são frágeis.” Para ela, fazer
Goodnight Irene não foi fácil mas foi bom: “Fazia teatro ao mesmo tempo,
não se pode olhar para o relógio a partir das seis e meia, o cinema exige
esquecer tudo, até acabar.” Para Nuno, o filme foi felicidade:
“Quase todo o filme era eu com o actor galês, foi engraçada a relação de cumplicidade com um actor doutra geração e de outro país.
Ele é uma pessoa maravilhosa, a melhor recordação da filmagem foi
a relação com ele. A ficção passou para a vida real, a amizade foi crescendo
à medida que crescia a amizade das personagens.
No acting, é verosímil que sejam amigos de verdade.”