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:: Fala-se de Salvador Dalí...





Salvador Dalí inaugura nova galeria do Centro Português de Serigrafia no CCB
A inauguração da nova galeria do Centro Português de Serigrafia no CCB é assinalada com uma exposição de Salvador Dalí, 100 Gravuras da Divina Comédia de Dante. A mostra pode ser apreciada e adquirida entre 18 de Abril e 25 de Maio em três espaços do Centro Português de Serigrafia de Lisboa: no Centro Cultural de Belém, o Inferno, na sede do CPS, a São Bento, o Purgatório, na Galeria das Twin Towers, em Campolide, o Paraíso. Salvador Dalí inscreve-se na genealogia dos grandes artistas que ilustraram esta obra, um dos marcos da literatura ocidental, de Sandro Botticelli (1445-1510), a Miguel Ângelo (1475-1564), (frescos da Capela Sixtina), William Blake (1757-1827) e Gustave Doré (1832-1883). Inferno, Purgatório e Paraíso, na visão de Salvador Dalí (1904-1989), inspiram-se na obra imortal de Dante (1265-1321), “a grande voz da 1ª Renascença, a mais alta figura poética entre Virgílio e Shakespeare”, segundo o professor Marques Braga, um dos seus tradutores em Portugal. Este poema alegórico, escrito entre 1307 e 1321, ter-se-á desenrolado miticamente em 1300, em sete dias, de 7 a 14 de Abril, justamente o mês durante o qual se revelará entre nós esta obra magnífica, através da criação do genial pintor espanhol. O poema, que reflecte uma cosmovisão medieval, escrito em tercetos, divide-se em três partes e em cem Cantos, no decurso dos quais o Poeta realiza uma viagem imaginária, primeiro aos círculos infernais, acompanhado por Virgílio, até ao centro da terra onde se encontra Lúcifer, depois regressando à superfície terrestre, sobe a montanha do purgatório, para, guiado pela sua amada Beatriz, ser admitido no paraíso, de onde voando pelos nove céus, termina a maravilhosa viagem na contemplação divina. O intemporal friso das desventuras e venturas humanas, dos pecados e das virtudes, na crueza e na poesia das suas imagens, desfila perante os nossos olhos na poesia de Dante, culminando na revelação da luz e do Amor “que move o Sol e as outras estrelas”. Cintila hoje na realidade pulsional e onírica de Salvador Dalí, na mostra das cem gravuras que podemos apreciar agora em Lisboa, nos vários espaços do Centro Português de Serigrafia. A edição comemorativa dos 700 anos do nascimento do poeta, resulta da realização de 101 aguarelas entre 1950 e 1960, depois de uma encomenda em 1950, do Governo italiano, ao pintor espanhol. Suspensa, por oposição interna, foi retomada em 1959 com a colaboração dos editores Joseph Foret e Jean Estrade e concretizada no atelier deste último, entre Abril de 1959 e 23 de Novembro 1963, a partir de 3500 blocos de madeira que permitiram a impressão dos vários conjuntos de 100 imagens. Os trabalhos foram apresentados em Paris, em momentos diferentes, em 1960, o Inferno, em 1962, o Purgatório e em 1964, o Paraíso. Em 1970, no Hotel Meurice de Paris, Salvador Dalí assinou a lápis de cor, a vermelho e a azul, quatro conjuntos das gravuras da Divina Comédia para Joseph Foret. Uma dessas quatro colecções, assinada a vermelho, foi vendida a Giuseppe Albaretto, que para além de grande amigo de Dalí se tornou o editor de uma parte significativa da sua obra gráfica (“Bíblia Sagrada”, “Odisseia de Homero” e “As Mil e Uma Noites”, p.ex.). Anos mais tarde, este conjunto passou a ser propriedade de Roberto Mastella, sócio de Albaretto, de onde veio directamente para a exposição em Lisboa, no Centro Português de Serigrafia. Sobre as gravuras acompanhemos a crítica Maria João Fernandes: “Com as assombrosas imagens de Salvador Dalí penetramos a estreita fenda que na opacidade do real nos permite ascender aos territórios moventes e silenciosos do imaginário. Vagueamos entre sonhos, seres míticos de um Apocalipse que assombra o coração do homem, vagueamos sem trégua, espectadores e actores de um teatro do absurdo onde nos movemos todos os dias, setecentos anos depois de Dante. É o mesmo o vazio que nos corrói as ilusões e os devaneios queridos, as nuvens passam ainda, negras de um temporal, prestes a desabar. Os monstros que Goya visitou atravessam o delírio e deliram na sua irrisão misteriosa, fantasmagorias nocturnas e avassaladoras que no entanto hão-de perecer. Criaturas da noite, com os seus farrapos e o halo de uma esperança invasora, que a natureza guarda. Fomos feitos para amar, sem dúvida, o voo é-nos permitido depois da queda e a sensualidade é uma fogueira que arde sem arder, mergulhando-nos de súbito em cinzas. Teatro da crueldade, mas quanta doçura por vezes, um barco que a luz mais pura abraça e o horizonte é a porta de um sol que conduz ao âmago do paraíso. Árvores deliciosas, de água e ouro, um sono musical, fugas audaciosas, os limites esbatem-se, a mancha cria o espaço, o espaço é a figura do aberto. Figuras sem tempo, do tempo, nascem, esfíngicas e belas, para tudo regressar a uma beleza prometida, a um lugar de revelações fulgentes. Floração de coloridos enigmas, o labirinto explode e ficam as centelhas de uma luz, de um fogo e de uma água puríssimos. A viagem começa hoje, uma vez mais.”