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:: Fala-se de Rita Blanco...



Cumpre 25 anos como actriz de corpo e alma. Divertida, versátil, Rita Blanco conta-nos como foi, como é e o que a faz mover.
Por Leonor Xavier - Máxima...
Diverte-se, move-se, diz-se a si própria. Não procura as palavras, que lhe fluem a par do pensamento. A expressão dos olhos tem uma incrível vivacidade. É curiosa, a querer saber dos ambientes, das histórias, das pessoas. Sentada, agita-se conforme o ritmo da fala. Ou levanta-se, para melhor exprimir. Mãe de Alice, no seu caso não é lugar comum dizer-se que é actriz de corpo e alma. Gostamos dela na série Conta-me Como Foi, eleito o melhor programa da RTP. O seu currículo é longo, corre seguido em 25 anos de carreira em Cinema, Teatro, Televisão. Na Televisão, em 1989, estreou com o humor de Herman José, em Casino Royal. A estreia no Teatro deu-se pela mão de Luis Miguel Cintra e, em 1999, foi nomeada Melhor Actriz para o Prémio Garrett, pela peça Nunca Nada de Ninguém, de Luisa Costa Gomes. Em 2001, esteve no Festival de Cannes, como protagonista de Ganhar a Vida, o filme de João Canijo escolhido para a Selecção Oficial de Filmes de Autor. No papel de Cidália, uma emigrante que tem um filho assassinado, Rita Blanco arrasou, na intensidade da sua personagem. --- Os realizadores portugueses procuram o seu talento. Trabalhou no Cinema com Manoel de Oliveira, Jorge Silva Melo, João Mário Grilo, João Botelho, João César Monteiro. Prepara-se para mais um filme de João Canijo. Sem tempo a perder, Rita Blanco proclama: “A vida é agora.”
Diz-se de si que tem raras qualidades, que é generosa e leal. Alguns amigos meus continuam a dizer que a minha melhor qualidade é a lealdade. Defeitos?
Tenho tantos. Posso ser agressiva na crítica, mas cada vez me é mais indiferente o que as pessoas acham de mim.
Continua a gostar de ler?
Leio muito, e fico contente por agora ter de usar óculos, era uma coisa que eu gostava de poder fazer na vida.
Está a preparar outro filme?
Fizemos um trabalho com alguma graça com a Vera Barreto, uma actriz que o João Canijo conheceu na ACT, a escola de teatro da Patrícia Vasconcelos, é especialmente talentosa. É inteligente, tem um bom sentido crítico. O João Canijo quis fazer um filme, e começou por uma improvisação filmada. Todos os dias improvisávamos, dizíamos as coisas mais importantes que se dizem entre mãe e filha, analisávamos, o João dizia: “Vamos gravar isto.” Saiu dali uma média- -metragem de meia hora, depois fizemos uma peça, Improviso Encenado, que representámos no CCB. Agora continuamos a trabalhar. Cada um de nós está a compor o seu texto e as personagens, para um filme.
Era muito nova quando conheceu o João Canijo, trabalharam em Teatro e Cinema, viveram juntos. Ele é uma presença forte na sua vida?
Tive a minha primeira experiência no Cinema quando ainda estudava no Conservatório, num filme de Claude D’Anna, Le Cercle des Passions, foi aí que conheci o João Canijo, tinha 18 anos. Ele achou-me graça, depois vivemos juntos. Esta minha relação de trabalho com o João é um percurso, tem importância na minha capacidade de trabalhar, é com ele que eu mais tenho evoluído como actriz. De cada vez, subo um degrauzito na maneira de olhar para o trabalho. De todos os filmes do João, só não fiz dois. No último, o papel foi feito para mim, mas não o fiz porque teria de ir para longe muito tempo. Não posso desaparecer dois meses e meio, porque tenho uma filha e quero ganhar o tempo com ela, hoje. A vida é agora.
Disse uma vez que gosta de fazer um papel dramático que tenha a ternura da comédia, que dê vontade de rir e de chorar. Pensa ou sente, quando faz um papel?
Não se pode representar sem pensar, sempre tive teorias.
Cada vez acho mais que a representação é tridimensional. Para representar é preciso pensar nas três dimensões. Ver a personagem, ver a pessoa, e ver o olhar da pessoa sobre essa personagem. Ser actor é estar sobre um círculo cheio de gomos, quando eu tiver passado pelos gomos todos, aí sou mesmo actriz a sério. Na peça Confissões ao Luar, de Eugene O’Neill, encenada pelo João Canijo, teve uma experiência importante. Como?
As pessoas começaram a rir, achei que estava a fazer uma coisa errada. A actriz para a personagem devia ser uma mulher grande, com medo do seu tamanho, o oposto de mim. Então, descobri que as pessoas estavam a rir pelo lado patético. E gostei. A coisa que mais me irrita é que não me questionem. Hoje procuram-se as respostas, nós divertimo- -nos com as perguntas. Não tenho o menor interesse nas respostas.
Eunice Muñoz diz que, na vossa profissão, é bom vestir e despir as personagens.
Vivemos várias vidas em simultâneo, isso é um gozo e um poder. Ser actor é estar longe do poder, pressupõe liberdade, e a liberdade é poder vi-ver várias coisas. E é uma sorte cada um poder ser como é, começamos a diferenciar-nos. Esta profissão tem uma coisa boa, está sempre a acabar e a recomeçar, temos sempre ciclos de vida, vamos vivendo outras coisas, outras vidas.
Fala muito bem inglês e francês, é fluente em italiano e espanhol. Gostava de ter uma carreira internacional?
Já não quero ir trabalhar para o estrangeiro, se não podemos dizer a palavra portuguesa, aquilo que dizemos não significa nada. O que digo tem de ser em português. Com toda a tristeza ou alegria de ser portuguesa, é isso que me interessa.
Em Cannes, deu entrevistas, apareceu nas fotografias. Era uma actriz importante?
Eu já lá tinha estado com o Manoel de Oliveira, com o filme Inquietude. Com Olhar a Vida, senti um olhar em cima de mim, os media deram importância ao papel. As pessoas dizem-me: vocês, actores, são tratados como príncipes. Sermos mimados à partida seria bestial. Estava a fazer um filme no Sul de França, eles achavam que eu era muito importante e não era, isso divertia-me. Já alimentei o ego, descobri que é um empecilho, que deve ser abatido liminarmente. Perguntei-me: vou continuar a representar? Aí, entra o Canijo. Faz-me ser criadora, entrar num projecto, tenho de decidir e escolher se quero ou não continuar.
Pensa em outras experiências, além de actriz?
Tenho dificuldade em lidar com a prática da autoridade. Gosto de dirigir actores. Gosto de trabalhar com crianças. Mas não sou capaz de encenar nem de realizar. Tem medo de falhar?
Prezo muito a coragem. Sou forte. O medo é uma prova de inteligência, mas, se não se enfrenta, paralisa. Eu nem da morte tenho medo. Tenho medo de ser má mãe, de falhar como mãe. Penso muito para descobrir como hei-de fazer que a minha filha seja corajosa, que não tenha medo e vá para a frente. O único medo que tenho é de lhe dar insegurança. Quem tem medo não vai poder avançar. Conta-Me como Foi tem sido um sucesso... É um exercício agradável de memórias e famílias. Cada vez que exercemos a palavra, temos de exercê-la com verdade intrínseca e cultural. É o nosso passado, o da nossa família, está lá tudo. Lembro-me daquelas personagens nos anos 60, há brincadeiras que faço porque me lembro, digo “Ó minha mãe”, uso certas palavras. Os ritmos de fala eram diferentes, as pessoas tinham mais tempo na cadência da fala. A graça é, em cada trabalho que fazemos, haver sempre partilha. Para um actor é muito bom ter pessoas competentes e criativas a trabalhar em cenários, adereços, guarda-roupa, como as que trabalham no Conta-Me.