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:: Um Modelo de Ceramista...




Cada vez mais afastada das passerelles, Anna Westerlund, mãe realizada e mulher descontraída, quer continuar a fazer aquilo de que gosta: cerâmica de autor.Por Júlia Serrão l Fotografia de Pedro BettencourtRealização: Joana Lestouquet l Maquilhagem: Isabel Marcelino com produtos M.A.C.Agradecimentos: Mango, Stivali e Veronica Arbex


Quando diz: “Conscientemente, não faço um trabalho feminino, mas agrada-me que o resultado seja esse, que as pessoas o vejam dessa forma”, os olhos ganham um novo brilho. E a voz, um entusiasmo contagiante que também é característica marcante da sua personalidade. Anna Westerlund dá-se e envolve-se com paixão. Esse é o seu jeito de moldar o barro. E a vida. Alma de artista sempre à procura da estética, em pequena já gostava de desenhar e pintar. E a partir de diversos materiais, criar pequenas coisas que oferecia aos pais e colocava no quarto dela. Mas Anna só descobriu que queria ser ceramista mais tarde, “de repente, quase de um dia para o outro”, conta. Estava no 3.º ano do curso de Publicidade e Marketing da Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, com o objectivo de se profissionalizar em Publicidade, dividindo-se entre os estudos universitários e a sua actividade nas passerelles.Entrou para uma agência de modelos aos 16 anos – embora só tenha começado a trabalhar aos 18 –, incentivada pela mãe e por outras pessoas do círculo mais íntimo de relações da família, que acreditavam que podia ser um meio de lhe dar mais confiança.“Não fui para modelo por sentir que era muito bonita ou por ser vaidosa, nada disso. Pode parecer um pouco cliché, mas eu era extremamente insegura e muito complexada porque tinha crescido, em altura, muito cedo e era muito, muito magra”, explica Anna, lembrando que havia professores que se preocupavam com a sua magreza.


De cima para baixo: terrina de grêsjarra em paperclay e duas caixas em barbotina e vidro. Poderá conhecer outros trabalhos da ceramista no site
www.caulino.comTinha de lhes explicar que se alimentava correctamente e estava bem de saúde. Por essa altura viajava muito como modelo, o que lhe permitiu conhecer muitos países diferentes. Deles absorveu as artes em geral porque, sempre que podia, percorria as galerias das cidades e visitava as suas exposições, fazendo-se acompanhar de um caderno em que desenhava o que via e outras coisas que imaginava. O resultado desta actividade exploratória não se fez esperar: “De repente, comecei a sentir que a Publicidade não fazia sentido, que estava no curso errado. Sentia cada vez mais vontade de desenhar, de fazer, de criar.”A eleição da cerâmica aconteceu porque nunca se imaginou como artista plástica. “A cerâmica têm uma ligação forte ao design de interiores, a uma área mais utilitária, como tem também com a cerâmica de autor, ligada às artes. E eu gosto desta dualidade, que me permite trabalhar com o lado mais utilitário de objectos para uso diário, mas que são criativos e diferentes”, explica Anna, esclarecendo que, por vezes, esta fronteira não é assim tão rígida, que ela própria não sabe muito bem se as suas peças estão de um lado ou do outro. “Se calhar, também não há necessidade de fazer essa distinção.”A descoberta da “paixão pela cerâmica”, como ela própria refere, levou-a a interromper o curso universitário e a procurar uma especialização nas artes da olaria. Chegou a ponderar a hipótese de seguir Belas-Artes, mas sentiu que tinha de avançar rapidamente. “Não podia perder mais tempo, embora, na verdade, nunca se perca tempo”, observa. A escolha recaiu sobre o Centro de Artes & Comunicação Visual (Ar.Co), com cinco anos de aprendizagem pela frente: três anos de base e mais dois de projecto individual. Paralelamente, fez também os cursos de Desenho e Joalharia – uma mais-valia, um prazer suplementar.No final do curso, juntou-se a três ceramistas e criaram uma loja-oficina de autor no cimo de uma das sete colinas de Lisboa. A Caulino, como se chama, é um espaço de criação, exposição e venda, que também dá a conhecer obras de autores exteriores ao projecto das quatro mulheres. “Sentimos que, aos poucos, outros ceramistas portugueses começam a conhecer o nosso espaço e isso é muito gratificante.”Anna Westerlund está cada vez mais afastada das passerelles – faz trabalhos muito pontuais, como modelo – e próxima da sua arte: da roda de olaria e do barro, do forno e do óxido de ferro com que concebe e decora as suas peças delicadas e depuradas, femininas na assinatura. A criação no campo dos objectos utilitários alterna-se com a de peças de expressão plástica que fluem sem formas rígidas, mas a inspiração, admite, vem continuamente de várias fontes.“Adoro ver espectáculos, ver exposições, no fundo, absorver de todas as áreas. Por isso, a inspiração vem de coisas por vezes inesperadas”, diz, explicando que tanto pode ser de uma história como de uma conversa que tem com alguém e que até não tem nada a ver com trabalho. “Noto que tenho muitas ideias de repente”, observa. Desenha cada uma delas no caderno que sempre a acompanha. “Às vezes, desenhar também me traz novas ideias, mas o que faço frequentemente é rever os meus cadernos antigos, livros de apontamentos, onde tenho outros desenhos, anotações, recortes e colagens.”As obras de outros ceramistas servem-lhe de estímulo, dão-lhe vontade de trabalhar mais e sempre melhor. “Sinto uma felicidade enorme quando vejo obras de qualidade, bonitas, que me tocam. Tenho vontade de ir a correr para o meu atelier criar alguma coisa que possa provocar esse mesmo sentimento em mim e nos outros”, observa, com uma transparência quase desconcertante.
Bilhete de Identidade Filha de mãe portuguesa e pai sueco, Anna Westerlund nasceu em Lisboa, em 1978 Cresceu na linha de Cascais e fazia férias na Suécia. Nos dois países, viveu com muita liberdade, em contacto com a Natureza. E teve muitos animais domésticos É casada e tem duas filhas Trabalho em roda em Florença, Itália, com dois ceramistas Exposições colectivas de cerâmica em Portugal: Almada, Caldas da Rainha e Lisboa Exposição colectiva em Londres, na galeria Flow Participou numa mostra de design português em Barcelona Em 2006, representou Portugal na Bienal de Cerâmica da Dinamarca, como jovem ceramistaAs filhas, Mia e Ema, mais do que inspiração, dão-lhe “energia e vontade de fazer bem e fazer melhor no dia-a-dia, em absolutamente tudo”, porque “ser mãe, para mim, também é a melhor coisa, não há nada que me vá realizar mais”. Como filha, sente-se uma privilegiada. Os pais “sempre foram muito próximos e liberais”. Proporcionaram-lhe a ela e ao irmão uma infância muito acompanhada e feliz. “Brincavam e passeavam muito connosco, lembro-me de fazermos muitos programas pensados para nós.”O seu projecto é continuar a trabalhar como ceramista e o sonho mais imediato, continuar a fazer aquilo de que gosta. “Isto porque, às vezes, não é fácil ser artista em Portugal.” As mentalidades têm evoluído bastante, mas não o suficiente, concretamente no que diz respeito às artes.No mínimo, ainda há muitas confusões entre o que são peças de autor e artigos industrializados. Por exemplo, as pessoas tendem a comparar preços de artigos que não são comparáveis. “Gostava que se desse mais valor às artes, nomeadamente à cerâmica, que é uma expressão com tanta tradição no nosso país. Gostava de continuar a ser artista e poder sustentar-me”, conclui, com esperança na mudança.