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:: Uma Mulher de Armas... Octávia Frota...


Do quadro directivo da Agência Europeia de Defesa. E durante muito tempo, Octávia Frota foi a única mulher e única portuguesa naquela entidade.
Por Mariza Figueiredo l fotografia de ricardo quaresma Vieira Não concebe outra forma de viver que não seja apaixonadamente. Octávia Frota fala com encanto de temas áridos, como propergóis compósitos e explosivos. Nunca planeou a carreira, mas a sua trajectória tem sido brilhante. Está na Agência Europeia de Defesa desde 2004, praticamente desde a sua criação, onde sempre ocupou o cargo de directora adjunta para Investigação e Tecnologia. “Temos por missão promover a cooperação europeia na área da Defesa, mais especificamente no âmbito de Capacidades de Defesa, Armamentos, Indústria e Mercado de Defesa, bem como de Investigação e Tecnologia.” Acredita profundamente no mérito técnico e científico dos portugueses e não percebe por que há tantos complexos a esse nível. “Cheguei a Bruxelas única e exclusivamente por mérito técnico e científico próprio. Nunca fui funcionária governamental e estava fora do país desde 1997. Só não faz caminho quem não quer. Não acredito em discriminação. E mesmo que ela exista, pode ser superada porque tudo na vida é superável.” Mas para aí chegar, foram inúmeros os dias, feriados e fins-de-semana em laboratórios, incontáveis as noites em bunkers e um tempo sem conta em pé ao frio, à chuva e ao vento. “No fim, não é essa a memória que tenho. É um trabalho de tal maneira fascinante… Ver queimar uma carga de propergol, ver explodir uma carga, são dois tipos de trabalhos distintos, mas que dão imenso gozo”, relata. “O mundo dos materiais energéticos, civil ou militar, é um mundo que apaixona. São ciências que agem como um vírus, mas um vírus bom, que se infiltram no nosso sangue… e é impossível não nos apaixonarmos. Basta ver o efeito que tem em qualquer pessoa ver o lançamento de um shuttle, de um lançador Arianne 5…”
Octávia Frota não abre mão da família nem dos amigos. Adora ter a casa cheia e é uma grande cozinheira. Ao mesmo tempo, gosta de restaurar peças velhas ou antigas. E para entendermos um pouco do universo em que Octávia Frota sempre trabalhou, convém saber que há cargas de propergóis e cargas de explosivos – que são duas coisas distintas. As primeiras são usadas para fins de propulsão. As segundas, no caso de Octávia Frota, foram utilizadas para testes de segurança de sistemas de munições. Estes testes experimentais estabelecem parâmetros de segurança utilizados para regulamentar o transporte, armazenamento, manuseamento e procedimentos de “fim de vida” (desactivação, desmantelamento, destruição) de explosivos e/ou munições para as diversas aplicações militares, prevenindo assim a ocorrência de acidentes. Os Estados Unidos, como país principalmente afectado pelos acidentes com sistemas de munições, desenvolveu infra-estruturas e testes experimentais capazes de todo o tipo de testes. A Europa, por seu lado, pagava para fazer estes testes nos Estados Unidos, com todos os inconvenientes associados à exportação de materiais energéticos. “Estive justamente a desenvolver uma infra-estrutura e testes experimentais que permitissem realizar estes mesmos testes na Europa. A infra-estrutura envolve não só a certificação de bunkers, mas passa igualmente pela criação de todo o equipamento de menor dimensão, como o design e construção dos veículos para os diversos testes, equipamentos de aquisição de dados relativos a diversos parâmetros (temperatura, pressão, tempo para explosão, etc.) e protocolos de teste.” A especialista faz uma ressalva: “Estes testes são igualmente aplicados em composições (propergóis e explosivas) que se destinam a fins civis. Só cerca de nove por cento da produção mundial de explosivos é utilizada para fins militares. Todo o resto é utilizado na construção de estradas, casas e escolas, extracção de minérios, na indústria petrolífera, etc.” Cresceu em Coimbra e aí se licenciou em Química, tendo feito uma tese de licenciatura no LNETI - Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, em Lisboa. Entretanto, Octávia Frota foi convidada para ir trabalhar para o Laboratório de Energética e Detónica, onde integrou a primeira equipa portuguesa a trabalhar em Propulsão Sólida. Fez o mestrado em Ciências da Engenharia Mecânica, em Coimbra, com especialização na mesma área. O próximo passo leva-a para fora do país, para a escola mais antiga de artilharia do Reino Unido, o Royal Military College of Science. O convite surge depois de o director do Department for Environmental and Ordnance Systems ter visto uma apresentação do seu trabalho de mestrado nos Estados Unidos. Octávia Frota passa então a integrar aquele departamento especializado em sistemas de defesa e temáticas de impacto ambiental de sistemas de munições. Um convite do chefe de divisão de Propulsion and Aerothermodinamics, do Centro de Investigação e Tecnologia da Agência Espacial Europeia (ESA/ESTEC), leva-a para aquela entidade. Para além de acompanhar como perita projectos que eram contratados com a indústria e instituições europeias, desenvolve estudos sobre Propulsão Híbrida e Propulsão Líquida de Próxima Geração. A visita a um site na Internet levou--a a esta etapa em que se encontra agora. Contava 37 anos. “Tinha acabado o meu contrato com a Agência Espacial Europeia e quis tirar seis meses de férias, porque precisava de descansar ao fim de tantos anos de trabalho intenso. Acabei por descobrir o anúncio desta nova agência, a ser criada. A Agência Europeia de Defesa, naquela altura, limitava-se ao gabinete de Javier Solana, actual representante máximo desta entidade, e a um grupo de poucos elementos denominado AET (Agency Establish ment Team).” E se a Agência Espacial Europeia tinha um carácter mais técnico, a Agência Europeia de Defesa tem um cariz muito mais político. “Foi criada para promover a cooperação europeia na área da Defesa, com o objectivo de dotar a Europa de capacidades de Defesa para resolução de crises, no enquadramento da Política Europeia de Segurança e Defesa”, explica a especialista. Há, entre os Estados-membros da Agência, 26 realidades distintas com estruturas nacionais distintas, com prioridades nacionais distintas, com formas e mecanismos de investimento distintos – todo um cenário de fragmentação de processo. Tal reflecte-se em dificuldades operacionais em missões conjuntas no âmbito da União Europeia, pois é ne- cessário utilizar pessoal com treino diferente, equipamento diferente, com protocolos operacionais diferentes. “Isso traduz-se numa enorme ineficácia. Os resultados que se conseguem no terreno não estão ajustados aos investimentos. Estamos a tentar fazer com que todos estes Estados-membros não tenham, por exemplo, cada um o seu programa de carro blindado. Há que tentar trazer à mesma mesa todos estes Estados-membros e tentar promover a cooperação em áreas de sinergia – maximizar os pontos comuns, tentando eliminar o mais possível as diferenças, de forma a reforçar competências europeias e permitir mercados de escala. Muito tem vindo a ser feito pelos Estados-membros noutros organismos europeus e internacionais antes da criação da Agência Europeia de Defesa, mas muito há ainda por fazer. Esta é essencialmente a primeira responsabilidade da Agência.”