domenica


Em 1976, uma nova fase na sua vida: “Eu e o meu irmão fomos para a Jugoslávia num avião militar, não havia voos comerciais para lá. Vivemos um ano num hotel gigantesco, o mais chique de Belgrado. As nossas brincadeiras eram jogar às escondidas na cozinha ou na lavandaria do hotel. Havia vários embaixadores, convivíamos com os do Senegal, que tinham muitos filhos da nossa idade. Em Belgrado fui para o Liceu Francês. Os meus primeiros amores, amizades, desilusões foram passados na Jugoslávia. Tive uma infância tão feliz!”

Do Zaire, onde viveu dos 18 aos 23 anos, voltou para Portugal por saudades. Em Kinshasa, aos 19 anos, a paixão fez-se casamento e separação: “Era um belga lindo, com a altura do meu pai. Não queria casar, queria ir viver com ele. O Manel [Álvaro Guerra] disse-me que para isso tinha de casar. Eu chorei muito. ‘Casem-se’, dizia a mi-nha mãe. Durou cinco anos.” No Zaire foi hospedeira de terra na Lufthansa: “Adorava o que fazia.” Mas não conseguiu ser transferida para Lisboa e ficou sem trabalho. “Lembro-me do meu pai, durante um almoço: ‘O que queres fazer da vida?’ Eu gostava de moda, mas não havia uma profissão pela qual me apetecesse lutar. Fui parar a uma Feira de Moda no Fórum Picoas, chamada Os Hábitos do Fórum, em que a ideia era convidar a nova geração de estilistas para trabalharem com as fábricas de têxteis do Norte. Sou exigente, trabalhei como uma moura, não tinha tempo para o meu marido. Ele foi-se embora com muita dignidade, deixou-me uma carta de despedida. Era um senhor. Fantástico. Continuei a organizar a Feira e no fim, estávamos em 1987-1988, fizeram-me uma proposta. Não aceitei.”

Outra fase, definitiva, se iniciava: “O meu pai preparava o Aqui d’El Rey, um filme de época que era a maior co-produção do cinema português, em 1988, 1989. Ofereci-me para trabalhar, comecei como motorista e depois aterrei no guarda-roupa. Vestia os actores no plateau, que é o local das filmagens, tinha oportunidade de observar as pessoas mais competentes e de ver que tudo era minucioso. Não havia quem escolhesse bem os actores secundários. Vi que havia ali um nicho de mercado.”

Uma paixão, um filho, um rumo, Patrícia descobriu a fórmula, cheia de certezas: “Apaixonei-me perdidamente, de paixão assolapada, por um dos quatro assistentes de realização. O Nicolas, filho do Alain Oulman, é o pai do Thomas. Acabou o filme, o pai dele morreu, fomos para Paris, lá ficámos uns meses.” Sem perda de tempo, Patrícia foi à luta, para descobrir exactamente o que era casting: “É uma profissão autodidacta, não há um curso.” Não desistiu e foi à procura de um nome sempre citado: “Uma senhora que em 1989 tinha 70 e tantos anos. Telefonei-lhe, ia nervosíssima. Margot Capellier era um ícone, recebeu-me rodeada de fotos no chão, mandou-me sentar. ‘Sabes quem é a Maria de Medeiros? O Luis Miguel Cintra? Tens de conhecê-los todos.’ Levei a maior lição, marcou-me para a vida.” Entretanto, nasceu o seu primeiro filho, Thomas. O pai, Nicolas, foi estudar para os Estados Unidos, e já em Lisboa, sozi-nha e com um fi-lho, Patrícia deitou mãos à obra. Passou a ir sempre ao teatro: “Vejo o actor em cena, o que posso tirar dele não é linear. O verdadeiro entusiasmo, o desafio, é perceber que aquele actor pode fazer outro papel. Não revelo ninguém mas tenho a sorte de o actor me bater à porta. Ajudo a concretizar sonhos. Gosto muito do que faço, sou uma verdadeira privilegiada, o meu trabalho é o contrário da monotonia. Leio os guiões, tenho de dar vida às personagens, sou uma colaboradora do realizador, ajudo, dou ideias.”

Bem sucedida no trabalho, outro amor aconteceu: “No fim do século passado apaixonei--me por um outro homem e tive a Laura.” Mostra os dois anéis que usa: “Desenhei-os para os meus filhos, cada um tem uma frase representativa do que eu acho que eles são. São peças importantes para mim. Eu ligo muito aos objectos. Perdi outro filho, foi duro, fiquei com uma admiração mais sentida pelas pessoas que perdem uma gestação recente. A natureza é sábia, se não quer é melhor não forçar.” O amor tornou-se casamento: “Apeteceu-me fazer uma surpresa ao meu marido. E cantar umas músicas, uns clássicos de jazz. Preparei-me uns meses com umas lições privadas. No dia do casamento ninguém sabia disto. Casei-me de vermelho no Santiago Alquimista e cantei. Lembro-me do Nicolau Breyner sair disparado do meio das pessoas: ‘Tu cantas.’ Deu-me um beijo. O meu pai, que não é nada de fazer elogios, e ia fazer um filme a seguir: ‘Cantaste uma música que eu tinha pensado pôr n’Os Imortais.’ Pensei: ‘Algum jeito hei-de ter.’”

Da descoberta do palco até à decisão do estudo, um instante: “Fui para a escola aprender. Candidatei-me ao Hot Club, entrei para o curso livre. Tinha aulas de canto todas as semanas, a minha professora, Joana Rios, disse-me que devia começar a cantar nos bares. E assim foi. De repente gerou-se uma curiosidade: ‘Então a Patrícia canta? A Patrícia dos castings?’ Comecei a ter sempre as casas cheias. Passei a ser a voz dos jingles da Rádio Marginal. Em troca, apoiaram-me nos concertos.”

Há cinco anos, Patrícia conheceu um rapaz, “um talento”, que a desafiou para duas músicas no disco dos Mola Dudle: “Quando o conheci, tive o feeling de que tinha de o convidar para fazer um disco para mim. E assim começou a nossa aventura. Há quase dois anos e meio, tem sido todos os dias. A dream comes true. As letras são quase todas do meu pai, que se revelou um grande letrista.”

Não sofre de stress, afirma-se metódica e organizada. Tem por princípio que “a vida dá muitas voltas. Todos os dias me deito a agradecer as coisas que são fundamentais na vida. Ter filhos saudáveis, ter saúde, ser independente. A partir daí, é arregaçar as mangas e ir trabalhar”. Mulher de mão-cheia.