giovedì

:: Percurso Singular...












Vive em Berlim, onde foi premiada em 2007. Os Príncipes das Astúrias têm um desenho seu, oferecido pelo Presidente da República. E as obras de Adriana Molder vão fazendoo seu caminho sobre papel esquisso.
Por onde começar para falar de Adriana Molder? É que tudo está a acontecer na sua vida! É possível começar pelo Prémio Herbert Zapp, que a distinguiu como Melhor Jovem Artista de 2007, em Berlim. Pelo Príncipe das Astúrias, que lhe pediu para tocar o papel esquisso no qual a artista trabalha. Pela sua mais recente participação numa mostra colectiva, Atelier Berlim, na galeria Presença, no Porto (até 7 de Junho). É possível começar pelo Cinema, pelas heroínas que retrata: Catherine Deneuve, Ingrid Bergman, Kim Novak. Ou pelas cidades e pelos livros, matéria--prima dos seus dias e desenhos.Vamos devagar. Adriana não percebeu logo o que queria fazer. O pai é o artista plástico Jorge Molder, a mãe é a filósofa Maria Filomena Molder. Mas a influência do pai na sua opção foi mais determinante por tê-la levado ao cinema quando era pequena. Adriana viu o Citizen Kane, de Orson Welles, ou o Sunset Boulevard, de Billy Wilder, quando tinha nove ou 10 anos, e aquele universo, a preto e branco, influenciou o seu modo de olhar as pessoas e a arte. Houve um tempo em que quis ser cantora de jazz (a irmã é cantora lírica). Ficava siderada com a voz de veludo de Sarah Vaughan, com Chet Baker no limite do desafinanço, com Frank Sinatra a seduzir plateias. Mas estar no palco exigia demais da sua timidez. Depois tirou um curso de Cenografia no Conservatório. Em 1998 matriculou-se no Ar.Co e percebeu que começava a encontrar a sua forma de expressão.


A descoberta do papel esquisso foi fundamental para a definição da sua identidade. “Eu achava que tinha de encontrar um caminho que fosse o meu caminho. Este papel é mais manuseável e menos hirsuto do que o outro. Parece frágil, mas é muito resistente, não se quebra. Não é bem transparente, como o papel vegetal, mas é translúcido. Como não está preparado para receber água, faz imensas ondas, cria acidentes. Gosto das coisas que acontecem ali e que não controlo.” A sério, tudo começou em 2002, quando expôs pela primeira vez a solo. Fez Câmara de Gelo, uma colecção de figuras que pareciam esculpidas… no gelo. Joe Berardo gostou e comprou. E anos mais tarde, o designer Philippe Starck fez rasgados elogios a esse trabalho. As figuras que lhe interessam são muito diferentes umas das outras. Recriou uma Galeria de Criminosos (exposição de 2005), a partir de fotografias de homens e mulheres acusados das maiores patifarias (homicídios, roubos...). Fez também se- nhores bem comportados que usam chapéu (exposição Cartola, de 2003), que só nasceram porque leu Proust e se interessou pelo ambiente de salão.Foi distinguida como “a revelação” nesse ano de 2003 e recebeu o Prémio CELPA/Vieira da Silva. Hoje, encontramo-la em exposições colectivas e individuais, colecções públicas e privadas, em Portugal, no Brasil, Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. E Oviedo.Na sua visita oficial a Espanha, Cavaco Silva ofereceu aos Príncipes das Astúrias uma peça de Adriana Molder. Paralelamente, a artista expôs a série completa a que o desenho pertencia, Encontro Marcado, no Museu de Belas-Artes das Astúrias. “Não havia protocolo especial, eu é que quis fazer a vénia, mas sem baixar os olhos. Olhei o Príncipe de frente porque sou republicana. Fiz a vénia porque gosto de histórias de encantar e, afinal de contas, é um príncipe e tem dois metros… Ele é muito amável e atencioso. Fez perguntas sobre a exposição e ficou impressionado com a fragilidade e resistência do papel que uso. Gostou muito do desenho que o presidente lhe ofereceu e quis saber da melhor maneira de emoldurá-lo.” Para fazer a vénia, escolheu um vestido retro verde-esmeralda que tinha comprado na feira da ladra de Berlim. Vestidos bonitos são sempre um bom tópico de conversa com ela… O Príncipe Filipe parece uma página amarelecida, uma recordação longínqua. Passou um ano e meio desde esse encontro e nesse tempo Adriana viveu a experiência do Bethanien. “Era uma espécie de montanha mágica. O Bethanien é um International Residency Studio Program. Tem artistas residentes dos EUA, Canadá, Coreia, Japão, Bélgica, Hungria, Holanda, Lituânia, Bulgária, Nova Zelândia. Da residência resultou uma exposição individual, Der Traumdeuter. Mas durante o ano, curadores, galerista e directores de museus visitaram o Bethanien para ver as exposições e o trabalho dos artistas.”Foi um ano seminal. Mas já havia tempo desde que se mudara para Berlim. “Fui por minha conta no final de Janeiro de 2006. Queria participar do ambiente instigante que se vive na cidade, no domínio das artes plásticas.” O Bethanien cimentou a sua relação com Berlim e o Prémio Herbert Zapp deu-lhe a noção de o seu trabalho ser reconhecido. Decidiu ficar. Fica, logo se vê até quando.Adriana calça umas peúgas de malha de vidro para passar sobre os desenhos sem os danificar. A gata Mia é obrigada a ficar longe e eriça o pêlo sempre que a porta se abre. A produção dos últimos tempos está em rolos que ela desembrulha com cuidado, para depois mostrar. Nos desenhos identifica-se a paisagem de uma cidade, uma lua cheia e luminosa, o corpo esguio de um homem que fuma, de costas voltadas. Permanece nele o mistério que ronda os desenhos de Adriana. Também há uma ceia, em que as figuras surgem coladas à volta da mesa. Uma técnica mista, com fotografia e desenho. E uma conversa, entre mãe e filha, em grande plano, que na galeria Vera Cortês, em Lisboa (Março/Abril 2008), surgiram lado a lado. Quem são? Falam sobre quê? “Ah, isso não vou dizer…” A narrativa prossegue por conta do espectador, do que este quiser lá pôr.
Um papel, uma identidade Adriana Molder no espaço da galeria Vera Cortês, em Lisboa, onde apresentou os seus desenhos mais recentes, em Março/Abril deste ano. E três das obras dessa exposição, reunidas sob o título The Passenger, em papel esquisso. “Como não está preparado para receber água, faz imensas ondas, cria acidentes. Gosto das coisas que acontecem ali e que não controlo”, diz a artista.