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:: Nas mãos da Criação...






































































MULHER & CARREIRA
Susana António, Andreia Tocha, Sílvia Gomes e Leonor Hipólito criam candeeiros, jóias, sapatose carteiras.
Quatro jovens designers dedicadas à moda.
“Sempre tive muita vontade de que o design tivesse uma vertente social importante e não fosse apenas feito de coisas bonitas.”
As palavras são de Susana António, de 29 anos, licenciada em Design de Equipamento na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa e no Politécnico de Milão. Reportagens, entrevistas e muitos telefonemas confirmaram aquilo que levou
dois anos (e muita persistência) a comprovar:
Susana tinha tido uma boa ideia: criar carteiras e sacos artesanais com algumas artesãs idosas, utilizando saberes que se estão a perder. “É uma maneira de mostrar que, noutro contexto, os velhos bordados que achamos demodé ficam muito bem aplicados a outro tipo de coisas.”Tudo começou “por uma grande vontade de trabalhar com os lares de idosos, com pessoas que estão sozinhas e precisam de um estímulo para se sentirem úteis. Queria mostrar que os idosos
são uma peça fundamental da nossa sociedade, que têm muito para nos ensinar, em termos de ferramentas relacionadas com este artesanato que está a morrer”. Enviou mais de 150 cartas para lares em Lisboa, a explicar o projecto. Nem uma resposta. Passaram-se dois anos. “Achei que nunca ninguém ia dar valor à ideia”, conta, de olhos embargados.


Leonor Hipólito, professora de Joalharia na Ar.Co, faz “jóias orgânicas”, indo buscar inspiração a formas nos livros de anatomia e medicina.


Enganara-se. De um dia para o outro, entrou no restrito grupo de quatro designers portugueses da exposição My World, New Crafts, da experimenta
design 2005, ao lado de um dos seus ídolos nacionais, Fernando Brízio. A mostra pretendia explorar “a crescente aproximação entre o artesanato e o design nos primeiros anos do século XXI”, e provar que, com a “combinação de criatividade individual e proximidade dos materiais ou do fabrico, o artesanato reinventa-se”. O trabalho de Susana António parecia feito de encomenda…Hoje, a partir do seu atelier no Chiado (Rua da Anchieta, 13, 1.º direito, Lisboa), coordena um
projecto de oficinas criativas com idosos em colaboração com a Câmara Municipal de Cascais no âmbito do design de objectos para a casa e começa a
ver os seus produtos à venda em Madrid.Susana começou por conceber 10 carteiras para a experimentadesign: “Três com uma senhora de Alfama e as outras com duas pessoas de lares de Setúbal.” O sucesso foi de tal ordem que o processo se inverteu: se, antes, a hercúlea tarefa era captar o interesse das
artesãs idosas, agora choviam telefonemas de mulheres interessadas em trabalhar com aquela menina de sorriso luminoso.A moda está em cada linha destas carteiras. E cose cada ponto da história de vida de Susana. A culpada é Florinda Cebola, 87 anos, a avó, “costureira, impulsionadora deste meu envolvimento com os lavores desde pequena. Sempre que estamos juntas,
fazemos qualquer coisa. Acho que foi uma maneira de nos ligarmos emocionalmente...” E se foi a avó que a despertou para este admirável mundo
dos fios, também ela foi uma das primeiras a conceber uma das suas carteiras, acreditando no projecto desde o início.Um projecto chamado Pick it
(www.pickit-design.com). Carteiras para pegar e conhecer quem está por trás daquele lindo patchwork. Em cada peça, um cartão serve de bilhete de identidade: uma foto acompanhada de um pequeno comentário e do contacto
da artesã liga inexoravelmente o comprador ao criador. Segundo Susana, “é uma maneira de afirmar que quem faz os objectos é uma peça primordial neste jogo do design”.


Em cada carteira Pick it, de Susana António,há um cartão muito especial que
liga o comprador à artesã.


Susana António estudou um ano em Milão. Sílvia Gomes viveu lá oito. Ambas assumem a importância dessa experiência no trabalho que realizam hoje. Para Sílvia, foi tão fulcral que não hesita em “acusar” a cidade de a empurrar para o mundo da moda: “Conheci pessoas que trabalhavam na área e foram elas que viram alguns desenhos meus e me deram coragem para criar uns protótipos. Levei-os a algumas lojas... e foi tudo um bocado rápido. Só aí comecei a ver
como era o mundo da moda.”Nessa altura, Sílvia tinha uma colecção muito pequena de cintos e bastou bater à porta de um showroom em Milão para encontrar clientes como Isetan, o renomado department store em Tóquio.
“Esse foi o meu pontapé de saída.” Como não fazia sentido continuar apenas
com os cintos, pensou criar uma colecção de acessórios mais global e séria. Surgiram assim as grandes e dramáticas jóias de lã e os colares em jersey de algodão entrançado e bordado, vendidos na Colette em Paris (onde a Björk comprou um dos modelos).“Tinha a oportunidade de trabalhar em Portugal
com a minha irmã e o meu cunhado, que tem uma fábrica de calçado no Norte. Começámos em 2005 e estou agora a desenvolver a nova colecção Primavera/Verão 2009, após um breve período de pausa em que me dediquei sobretudo à criação de uma nova linha de calçado para a Maje, uma marca francesa de prêt-à-porter feminino. É uma área muito difícil, requer muita técnica, há muitas regras a cumprir, muitos materiais a assemblar e portanto muitas indústrias envolvidas. Às vezes, a ideia inicial perde-se durante o processo.” Sílvia é angolana de nascença, mas viveu desde sempre em Aveiro e mais tarde no Porto. Estudou Design Gráfico na Escola Superior de Artes e
Design, no Porto, e fez um semestre de Joalharia na Ar.Co, em Lisboa.
Florença impunha-se como o destino seguinte. As poucas oportunidades de trabalho empurraram-na depois para a capital italiana da moda.Odd and Even.
A marca de sapatos desenhados por Sílvia Gomes em Itália e produzidos em Portugal é intencionalmente internacional (Paris, Tóquio, Londres e Milão
são as cidades para onde mais exporta). A tradução significa “par e ímpar”,
e o que, à primeira vista, pode parecer cliché, pode tornar-se uma boa metáfora
para quem, como Sílvia, visa a diversidade.


Viver oito anos em Milão foi decisivo para o interesse de Sílvia Gomes pelo
mundo da moda.


Para esta designer de 34 anos, os sapatos ideais têm de ser cómodos e com carácter, mas têm também de “dar uma certa individualidade e dizer algo da personalidade de quem os calça”. E o facto de não ter estudado moda, em vez de dificultar, parece tê-la ajudado a criar “uma linguagem completamente díspar. Na próxima colecção de Verão 2009 espero aumentar a distribuição em Portugal, onde vendi apenas algumas peças na Clube Chocolate e na La Paz, ambas no Porto”.As peças assinadas por Andreia Tocha podem comprar-se na Embaixada Lomo-gráfica, na Sem Sim (Bairro Alto). Opções não faltam para brilhar com a originalidade desta designer lisboeta de 31 anos. A reutilização de botões de
todas as cores e feitios em colares, brincos e pregadeiras parece entusiasmar a população feminina em geral. Foi exactamente pela resposta tão representativa às suas criações de joalharia que Andreia optou por continuar esta produção: “Decidi participar numa feira de solidariedade e desafiaram-me a criar alguma coisa. No final, vi que havia público para aquelas peças.”Licenciada em Design Industrial pela Universidade Lusíada, sempre se sentiu me-lhor na sua pele criadora nos momentos em que dá forma a candeeiros. Ilumina-se o olhar só de falar: “Comecei com a reutilização de pacotes de pastilhas elásticas, de leite,
para fazer candeeiros e poltronas. A essência do meu trabalho é transformar desperdícios em objectos, lixo em luxo.”Falar do trabalho de Andreia é caminhar pelos campos quase filosóficos da reciclagem, mas é também praticar um exercício de estilo: embalagens de água oxigenada, dos sumos Compal e de bolachas, papel de escritório pintado por ela tornam-se matéria-prima glamorosa e inimitável (tel. 96 426 76 37). E de uns objectos nascem outros...O mesmo acontece com a Praline, de Leonor Hipólito, uma colecção onde os papéis de bombons são mais preciosos que o chocolate, também apresentada na exposição My World, New Crafts, da experimentadesign 2005, e mais recentemente na Galeria Reverso. “São jóias onde utilizo papéis de bombom como se fossem materiais nobres, juntando-os ao ouro e à prata”, descreve.


Andreia Tocha dá forma a candeeiros e poltronas, transformando desperdícios em objectos, “lixo em luxo”.


O objectivo era questionar o valor das jóias, “mostrar que valor vai mais além do material”. Usando o prateado e azul da prata do Bacci, o dourado do Ferrero, o vermelho do Mon Cheri e o verde de uns bombons alemães, a designer de 33 anos criou uma série de jóias. Belas e desarmantes.Esta é uma de duas facetas da obra de Leonor. A outra, mais permanente e constante, explora o corpo humano, a noção que temos dele e a nossa relação com ele, com as pessoas que nos rodeiam e o seu circundante. Em última instância, “a nossa relação com a natureza. A dualidade consciente/inconsciente está sempre muito presente no meu trabalho. Faço jóias orgânicas, mas não no sentido escatológico”. Não admira, pois, que retire formas dos livros de anatomia e medicina. Leonor não hesita: “São a minha grande fonte de inspiração.”Na sua primeira exposição individual, na Galeria Reverso, em Lisboa, provava isso mesmo: “Foi em 2003 e apresentei uma colecção que marcou uma nova fase no meu trabalho. Tinha a ver com a ideia de segunda pele, com essa malha formada pelas células.” Esta mostra vinha na sequência de uma outra colecção ligada aos objectos geneticamente manipulados, “onde a célula era a base, a identidade/individualidade e, ao mesmo tempo, união entre todos nós”.Leonor é actualmente professora na Ar.Co, no departamento de Joalharia, mas não estão longe os anos de estudante “emigrante”. Terminou o curso de Design de Joalharia em 1999, na Gerrit Rietveld Academie de Amesterdão, e é, para ela, inquestionável o valor dessa experiência. Na Parsons School of Design, em Nova Iorque, onde esteve seis meses, explorou o lado técnico.Ainda não tinha acabado a sua odisseia escolar e já tinha elegido os materiais com que acabaria por trabalhar quase em permanência: resinas, vários tipos de borracha, tecidos, elásticos, madeira misturam-se com a prata e entre si para criar jóias únicas e de assinatura bem demarcada (vendem-se na galeria Adorna Corações, no Porto). Arte para usar e tornar especiais todos os dias.