mercoledì

:: O Que é o luxo?


É um privilégio económico, um espantoso savoir-faire, ou uma voluptuosidade de ociosos? Jacques Marseille, Pascale Mussard e André Comte-Sponville, um economista, uma criadora e um filósofo*, reflectem sobre um prazer acessório. Por Viviane ChocasTradução de Ana Isabel Palma da SilvaNo seu Dictionnaire culturel en langue française (ed. Dictionnaires Le Robert), Alain Rey ensina--nos que a palavra “luxo” (luxus) corresponde àquilo que cresce torto, de lado, em excesso. “Luxe” está em primeiro lugar ligado à “luxação”... André Comte-Sponville – Desde a origem que a palavra tem qualquer coisa de pejorativo. É da mesma família que “luxúria”, que indicia um excesso de sexualidade, e ainda da mesma família que “luxuriante”, uma espécie de vegetação excessiva. Existem duas leituras possíveis; uma que é a dimensão do excesso e, nesse caso, todo o luxo é culpado, pelo menos em termos económicos; outra, a noção de desvio, falha. Ao passo que o luxo está mais ligado a distinção, ao dandismo baudelairiano. Pascale Mussard – Estive a ver os textos sobre a casa Hermès desde 1837: a palavra “luxo” não figura nesses textos. Nunca a ouvi na casa Hermès. A. C.-S. – Então que palavra utilizam: “moda”, “elegância”?
P. M. – “Qualidade.” “Sinceridade.” “Valor.” A palavra “luxo” não faz parte do nosso vocabulário. Embora a minha obsessão enquanto criadora seja descobrir uma matéria luxuosa, pretendo, primeiro que tudo, preservar o gesto que trabalha essa matéria. Jacques Marseille – Quando, em 1998, organizei um colóquio sobre o luxo na economia na Sorbonne – onde os directores se sentam nos bancos de madeira do grande anfiteatro, um verdadeiro luxo para eles –, perguntei aos meus alunos: “Para vocês o que é o luxo?” E as respostas que obtive foram bastante banais, do género, “um lenço Hermès”, “um perfume”... “E para si?”, perguntaram-me eles. Eu respondi duas coisas: “Ter uma profissão pela qual sinta verdadeira paixão e não ter carro em Paris.”
P. M. – Eu não tenho um portátil. Ainda escrevo e desenho à mão, com papel e lápis. Um verdadeiro luxo.
A. C.-S. – Eu acabei de desfrutar de um luxo fantástico: tive sete semanas de férias numa pequena casa na Baixa Normandia, onde escrevi todas as manhãs e onde não vi ninguém. Não tenho carro, não tenho telemóvel e não tenho computador. Temos de reconhecer que para se pagar este tipo de luxos que não são caros, é preciso não se ter necessidade. Por definição, o luxo é aquilo sem o que se pode passar. Temos de ter em mente que existem três critérios para se considerar luxo: o prazer raro, o prazer dispendioso e o prazer supérfluo. Basta estar contido num destes três critérios para que se possa falar de luxo. Está a dizer-nos que o luxo é algo que está para além da necessidade. Será que coloca forçosamente uma questão moral?
A. C.-S. – O que coloca uma questão moral é a desigualdade extrema, a injustiça social.
J. M. – À partida, o luxo é não ter necessidade de trabalhar para ganhar a vida. Desenvolve-se na aristocracia e na corte. A partir do momento em que, com a chegada do século XIX, a sociedade, dirigida pela burguesia, coloca o trabalho no centro do seu projecto e vive sob essa pressão, o luxo é obrigado a adaptar-se. Deixa de poder representar apenas o modo de vida de uma classe ociosa. De modo de vida passa a objectos.
A. C.-S. – Na acepção económica do termo, um produto luxuoso tem de ser mais caro do que um produto topo-de-gama equivalente – um sobrecusto que não seja justificado por uma utilidade adicional. Uma colher de ouro é um produto de luxo... e o ouro não serve para nada.
P. M. – Não concordo! Pode guardar-se por gerações.
J. M. – Os fabricantes utilizam muitas vezes esse argumento: o facto de os produtos de luxo serem mais duráveis. É curioso, porque isso esclarece a complexa relação entre luxo e moda. Se o luxo tivesse em consideração fabricar objectos duráveis, isso significaria... a sua própria morte.
A. C.-S. – O luxo é útil em termos económicos mas irrisório em termos éticos. Uma sociedade de pobres é uma sociedade pobre. As grandes descobertas científicas, as grandes criações artísticas surgiram quase sempre em sociedades ricas que anunciavam o luxo. Portanto, por razões sociais, históricas e económicas, é bom que haja luxo. Mas considerá-lo necessário é muito perigoso, pois tornamo-nos prisioneiros dele.
*Pascale Mussard é a directora artística da casa Hermès. Jacques Marseille, professor na Sorbonne, coordenou a exposição 200 Anos de Vida Económica Francesa e a obra O Luxo em França, do século das Luzes até aos nossos dias (ed. ADHE). André Comte-Sponville é o autor, nomeadamente, do Dicionário Filosófico (PUF). Jacques Marseille, demonstra que o luxo se comporta bem em tempos de crise económica. Porquê?
J. M. – Um célebre economista americano (falecido em 1929), Thorstein Veblen, coloca a questão da seguinte forma: como distribuir um produto de luxo? O que ele propõe é: “Coloque um vestido de um tecido luxuoso numa montra. Se o sistema for o de uma economia de mercado, se fixar um preço de 400 euros para o vestido, não o vende. A 1200 euros, sim.” Esta teoria continua actual. Porque o produto de luxo tem de se distinguir. Uma das minhas alunas demonstrou, num estudo sobre o preço a que era vendido o lenço Hermès desde 1937, que cada vez que o preço subia, o lenço vendia melhor. Em tempos de crise, o produto de luxo caro lisonjeia o ego elitista do comprador.
A. C.-S. – O produto de luxo tem uma linguagem e essa forma de expressão, que equivale muitas vezes à marca, paga-se. Essa forma de expressão é distintiva e, nesse sentido, luxo é um produto narcisista.
J. M. – É muito interessante ver que as sociedades que desenvolveram com mais talento a indústria do luxo são as que mais o condenam. O paradoxo é que a França é responsável por metade do volume de negócios do luxo, ao mesmo tempo que os franceses, tradicionalmente, querem cortar as cabeças que são superiores e detestam os ricos!
P. M. – Para fazer um lenço Hermès é necessário o trabalho de umas 60 pessoas. Portanto, o símbolo Hermès, como estatuto, são os clientes que acabam por decidir se querem colocar a marca à frente. Mas para nós, o preço dos nossos artigos tem a ver com a procura da melhor qualidade. O que se paga, na casa onde estou, é a salvaguarda da imaginação, da criatividade, da experiência. Como é que, na casa Hermès, é colocada a questão do útil?
P. M. – É sempre a primeira questão que nos colocamos: um produto para que tipo de uso? Émile Hermès fabricava arreios e, antes da guerra, fabricantes de arreios e selas como Hermès, havia para aí uns 200 em Paris. Hermès ficou só porque desde o início que esta casa tinha como ponto de honra a qualidade e a utilidade. Quando regressa do Canadá em 1918 com a patente dos fechos Éclair, que observara nas capas das viaturas, adapta-os e começa a colocá-los nas roupas e nas bagagens. Inova com um elemento útil. Será que os fabricantes de artigos de luxo cultivam a ambição de fazer história?
J. M. – Existem muito poucas casas de produtos de luxo que foram criadas nestes últimos 30 anos e se mantêm com sucesso. Somos obrigados a constatar que as grandes casas de luxo francesas têm todas elas uma história longa e um nome.
(Revista máxima)